terça-feira, 13 de agosto de 2013

38 Apeadeiro 3 e 4



38 Apeadeiro 3 - Álvaro, maníssimo


Só a antropofagia nos une, Oswald de Andrade disse a propósito de comer do outro mais que comer o outro – a visão da incorporação de outra qualidade na carne e órgãos de outro. Stanislavski é a mesma coisa, levado ao extremo, o que ele não era – não era extremista de si mesmo nem sequer stanislavskista. Pois esse Avatar parece um Tatcherismo ideo-visivo, o futuro é a privatização e mercantilização generalizadas – o homem é predador de si mesmo já se sabe – mesmo que isso seja para as maiorias e cada um amputação, autoamputação, mas não muita de cada vez – cada um pode comer-se às prestações, escusa de se comer todo de uma vez e assim vai-se aguentando desde que cada amputação renda bem no tempo, mate fome e seja legal, pague o imposto, pois não te comes legalmente sem pagares o IVA da tua carne. Um desperdício evidente, um gajo engolir-se como se fosse um comprimido. Nem dá prazer.

Há um tipo, de que te falei, o Ruzante, de Pádua, que de desespero se quis comer, aliás, quis-se matar. Tentou várias maneiras, pendurar-se, nada, tinha de ir comprar a corda e era caro, atirar-se de um abismo, era muito alto, podia magoar-se e a ideia não era essa, espetar uma faca, nada, estava romba, então descobriu que o melhor era comer-se pois matava a fome e matava-se ao mesmo tempo. E começou pelo polegar do pé direito, muita ginástica, decidiu-se pelos cotovelos, como lá chegar, é o mesmo problema que lavar as partes baixas das costas num banho sério, uma confusão e depois pensou, mas como vou comer a minha própria boca, e maxilares?

Mano, não vi o Avatar, aliás vi o Avatar que me perseguiu. E portanto vi qualquer coisa, tenho imagens na cabeça. Há coisas que não vês mas que vês, mesmo que nada tenhas com elas, elas é que te perseguem e não há armas de defesa dessas perseguições. Ao rever Ginger e Fred ontem, vi bem como um omnipresente cerco publicitário ia impondo outra vida à humanidade artesanal que vivia, tudo publicitado (os painéis da cenografia, pelo extraordinário que são, exageradamente pop-grotescos, lembraram-me o amigo Franco Ceraolo que vi no genérico como assistente do Cenógrafo), isto é, imposto pela ocupação publicitária total dos espaços públicos e íntimos – é um excelente ensaio sobre como a televisão e o lixo televisivo que acabaram por ser só um.

As teses da produção industrial de morte são conhecidas, mas voltam sempre de cara novíssima. Agora é produção Light, morre-se pela destruição da possibilidade da cura, há pouco ainda democraticamente estruturada. Morre-se de falta de medicamento, da destruição da urgência local, da inexistência das especialidades, da cor errada do papelinho da urgência, do que for necessário para pôr as contas públicas no sítio. É industrial light mas não é nem localizada nem é notícia, é generalizada e em todo o território – há bons serviços para os turistas no Algarve?

Notícia são essas mortes nada lights que, em boa verdade, não são assim tão patológicas quanto isso, o puto filho de polícia que mata a família em São Paulo e a quem o pai ensinou a disparar, a miúda que se suicida – 14 anos – porque é perseguida no face….

38 Apeadeiro 4 - Monday morning Fever


38 também é temperatura. E tu, mano, já levas alguns dias rondando-os... desde que voltamos da visita que fizemos juntos ao nosso amigo Franco Ceraolo, italiano dos Açores... terá sido o ar incondicional dos aviões?

Mais ainda: 38 já é febre. E até com um certo calibre. Que dizer então se os 38 foram por fora e por dentro como são nestes dias. Uma verdadeira incubadora. E não precisamente de ideias, como agora tanto gostam dizer os que justamente inventam linguagens novas para que não se de muito na sua falta de ideias, que não passa da reciclagem de palavras. Como o da palavra incubadora. E de incubadora em incubadora, pouco falta para que falemos abertamente em Portugal como incubadora de emigrantes sem rir, assim a secas.

Uma coisa que já lá vá algum tempo tinha pensado e até proposto seriamente a vários irresponsáveis políticos e culturais –  e que diz respeito, já que falo em incubadoras – é a transformação do Teatro Nacional Dona Maria II (TNDM II) num aviário. Faz muito que eu falo nisto. O curioso é que ainda não tenha sido sondado para ministro da cultura (com um tal projecto não poderia ficar-me por ser simples secretario de Estado, e caso viesse a ter sucesso a ascensão a ministro de Estado fica praticamente garantida). Nada. Nem sequer fui proposto para director artístico da dita instituição, e isso que o projecto do aviário e muito mais viável que todos os que estiveram em curso durante os – largos – últimos anos.

Calcule-se: Para começar a incubação de frangos, é cultura. Estando alias absolutamente contra o aborto é pró-vida, sendo então também civilizacionalmente católica. Ou seja que, já desde as suas raízes e fundamentos, tratar-se-ia de um lugar no qual vão de par a Cultura e o Culto. Melhor impossível. Mas muitos outros factores vem somar-se ao projecto e ajudam a perceber a sua real dimensão e potencialidade: Dado o tamanho do edifício, a produção do aviário poderia vir ser, muito provavelmente, uma das maiores, senão a maior do mundo. A localização do imóvel, alias, permitiria fazer dele uma atracão turística, sem contar com o facto que o escoamento seria altamente favorecido pela disposição e topografia da baixa pombalina permitindo uma saída ao Tejo que incluso poderia ser espectacular e vir a dar no centro do cais das Colunas. Uma coisa fluorescente que, inesperadamente, surge de baixo da pedra no meio do cais e colora toda uma parte do rio... mas bom. Isso já é outra etapa. Voltemos ao miolo do assunto.

A magnitude do tal aviário permite entrar com força no mercado e falar de igual a igual, senão de acima a abaixo com Cargill e as duas outras multinacionais que operam e controlam o sector. Nada indica que Portugal, a meio prazo, não esteja em condições de ser o primeiro produtor – e porque não também distribuidor – mundial de aves de consumo, ditando desse modo as leis do mercado, e passando a definir os preços e a margem de lucro. O espectáculo proporcionado pela instalação de um churrasco + spiedo gigantes na fachada que da a praça do Rossio – com venda local, take away e a domicilio, evidentemente – não tem comparação com nenhuma outra programação cultural que possa vir a ser proposta para o local. Imagine-se o prazer de ver no ecrã gigantíssimo que não poderia faltar no nosso complexo alimentario-cultural, um Benfica - Porto, um Portugal – Butão, ou até esperar os resultados das eleições municipais de Gondomar ou Celorico de Basto...

1 comentário:

  1. excelente é o TESTO

    duvidosa é a qualidade da panela a que se destina

    Grande abraço, rapaz

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